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Artigo: negra Aparecida

07 de Outubro de 2020 às 08h58 - Por: Padre Alfredo Dórea * Foto: Arquivo pessoal
[Artigo: negra Aparecida]

É em plena escravidão do povo negro que a negra Aparecida se revela como o rosto negro de Deus para o povo brasileiro  

Quando o Brasil era ainda dividido em Capitanias Hereditárias, mais precisamente em 1717, os pescadores Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedrosa, ribeirinhos das margens do rio Parnaíba, Município de Guaratinguetá – SP, desanimados por nada terem pescado, depois de inúmeras tentativas, lançam despretensiosamente a rede mais uma vez e retiram das águas o corpo de uma pequena imagem, cuja cabeça encontraram depois do segundo arremesso de rede. A próxima tentativa redeu-lhe peixes em fartura e ao Brasil a sua padroeira, festejada em 12 de outubro, sob o título de Nossa Senhora Aparecida.

Para além da fé dos que nela crêem, simbolismos abundam na singela história da aparição desta imagem de Nossa Senhora da Conceição, com 36 cm e 2,50kg, negra como a cor dos milhões de homens e mulheres trazidos escravizados para o Brasil. É em plena escravidão do povo negro que a negra Aparecida se revela como o rosto negro de Deus para o povo brasileiro.

Recolhida, aos pedaços, pelas mãos de pobres pescadores, a pequenina imagem, cuja alcunha “aparecida” se perpetuou, acumula, ao longo dos anos, inúmeros “K” de seguidores e seguidoras. São mais de 12 milhões que visitam por ano o seu santuário.

Devota de Aparecida, a princesa Isabel pediu e recebeu dela a graça de ser mãe. Em agradecimento, em 1868, presenteou a imagem com um manto azul, com 21 estrelas representando os estados brasileiros e com uma coroa de ouro cravejada de diamantes e rubis, com a qual a imagem, em 1904, foi coroada por emissário do papa, a padroeira do Brasil. Pleno de significado o fato da princesa, herdeira do trono e da coroa imperial - que nunca usaria - doar uma coroa para a 'rainha do Brasil', em gratidão pela maternidade.

Com o decreto do Papa Pio XI, de 16 de julho de 1930, a negra Aparecida é definitivamente oficializada como a padroeira do Brasil.

Coube ao general João Batista Figueiredo, o último presidente da ditadura militar do Brasil, promulgar a lei nº 6.802, declarando 12 de outubro como “feriado nacional para o culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida”. A data de 30 de junho de 1980 coincidia com a primeira visita de um papa ao Brasil.

As polêmicas acerca da lei pululam, por conta de o Estado ser laico e da separação entre Igreja e Estado promovida pela República. Tais questionamentos se aplicariam também a outros feriados religiosos, como o Natal dos cristãos e o 08 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, na Bahia.

A verdade é que, antes que o Brasil tivesse um hino (1822) ou uma bandeira nacional (1889), a negra Aparecida, encontrada aos pedaços, pelos três pescadores, já se tornara o primeiro símbolo realmente brasileiro e de alcance nacional.

Por outro lado, em razão do decreto nº 4867, de 5 de novembro de 1924, o 12 de outubro é também, a data oficial para comemoração do Dia das Crianças no Brasil e começou a ser celebrada efetivamente a partir de campanhas de marketing elaboradas pela indústria de brinquedos.

Nestes tempos desafiadores, a negra Aparecida há de ser fonte de inspiração para práticas de justiça e caridade, também para com as crianças e de quem delas cuida. Fiéis ao necessário isolamento social sejamos presentes, mesmo à distância, na festa da vida e da esperança. Que a fartura de peixes, que sucedeu a aparição da santa, seja verdade nas mesas de tantas crianças que neste 12 de outubro hão de se alegrar com presentes e ainda mais com a mesa farta, saúde, cuidado e proteção.

LEMBRETE:
Neste 12 de outubro a creche para crianças vivendo e convivendo com HIV AIDS da IBCM, funcionará excepcionalmente das 8 às 17h. São bem vindas as doações para as crianças. Alimentos são itens muito necessários. Rua santa clara do desterro 85 – 34509759.

* Padre Alfredo Dórea é arcebispo da Igreja Anglicana Tradicional do Brasil. Graduado em filosofia e teologia. Mestre pela Universidade Gregoriana de Roma. Atua no diálogo interreligioso, combate às violências, discriminações e preconceitos, defesa dos direitos humanos e das pessoas mais vulneráveis e empobrecidas, sobretudo as que vivem com o HIV/AIDS.

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