Ação está marcada para 10h no Terminal da França e envolve polêmica com navio considerado a maior livraria flutuante do mundo
O Terminal da França, em frente ao Porto de Salvador receberá um ebó coletivo nesta segunda-feira (4). Um grupo de defesa das religiões de matriz africana realizará a oferenda a Exú como ato de repúdio a declaração da organização responsável pelo navio Logos Hope, considerado a maior livraria flutuante do mundo, que atracou em Salvador no dia 25 de outubro. Antes de atracar, a organização pediu orações e disse que Salvador é conhecida pela crença das pessoas “em espíritos e demônios”. Batizado de “O demônio quem traz são vocês! A Bahia é de todos os Santos, encantos e Orixás!”, o protesto está marcado para ser realizado das 10h às 19h.
Ebó é o nome dado a uma oferenda aos orixás. De acordo com o Correio, o coletivo é organizado pela Frente Nacional Makota Valdina. Segundo anuncia a frente, o que os motiva é a “determinação de lutar pela vida e dignidade do povo negro e das religiões de matriz africana no Brasil”. Ogan do terreiro Ilê Axé Torrun Gunan e integrante da Frente Makota Valdina, Eduardo Machado acredita que Exu interferiu para que houvesse uma resposta à agressão.
“Ele jamais ia deixar essa injustiça passar em branco. A interferência dele é total. Vamos realizar esse ato político para afrontar essa intolerância”, disse. “Esse navio deveria trazer conhecimento. Mas ele nos viola com preconceito racial. Já basta o que a gente tem que enfrentar no dia a dia”.
O Ogan ensina que as religiões de matriz africana estão longe de cultuar o demônio. “A gente cultua energia ancestral, forças da natureza, e não demônios. Todo terreiro tem um Exu protetor. A Baía de Todos os Santos também”, avisa
De acordo com a reportagem, no local onde o navio atracou, a uns cinco metros de profundidade, no Porto de Salvador, está instalado o que as religiões de matriz africana chamam de assentamento de Exu. Os manifestantes afirmam que Exu pode não ser santo, mas de demônio também não tem nada.
Tendo como base uma rocha afundada em uma área que separa a Codeba do Ferry Boat, o assentamento de Exu foi descoberto em uma operação arqueológica que virou objeto de estudo da ialorixá, mestre em estudos étnicos e africanos, doutora em arqueologia e arqueóloga mergulhadora Luciana de Castro. Autora do livro O Exu Submerso - Uma Arqueologia da Religião e da Diáspora no Brasil - ela confirma que o assentamento foi colocado ali como um guardião da Baía, protetor dos marítimos e feirantes de São Joaquim.
Para Luciana e para outros tantos sacerdotes e integrantes do candomblé, não foi por acaso que o texto postado nas redes sociais da organização cristã OM Ships International, responsável pelo navio, teve tanta repercussão negativa para o Logos Hope. Dois dias antes de atravessar o principal acesso marítimo para a terra do Axé e atracar no Porto de Salvador no dia 25 de outubro, a OM Ships fez uma publicação no Facebook na qual afirmou que a embarcação estaria se dirigindo a uma cidade “conhecida pela crença do povo em espíritos e demônios”.
Das primeiras respostas na Internet, o assunto foi parar na imprensa e chegou ao Ministério Público da Bahia (MP-BA), que instaurou procedimento para investigar o que seria um ato de racismo e intolerância religiosa. O comentário de uma internauta em resposta ao texto postado já sugeria que o orixá daria uma resposta. “Que Exu os receba na entrada com toda sua sabedoria. E nos proteja do Satanás que vocês carregam dentro do coração”, escreveu.
Segundo Luciana, o fato de a mensagem ter reverberado na imprensa e despertado a revolta do povo baiano não foi só obra do orixá mensageiro e dono da comunicação. O “morador” do assentamento certamente teve a ilustre contribuição da rainha das águas e dos outros integrantes do panteão dos orixás na resposta ao ataque feito pelo navio.
“Exu é filho de Iemanjá. A água é uma grande condutora de energia e mensagens. Então a coisa se ampliou. Xangô também entrou com a Justiça através do Ministério Público. Nenhum orixá está sozinho”, ensina. “A Baía é de Todos os Santos, mas é muito mais do ‘axé’ do que do ‘amém’”, acredita Luciana. Para ela, enquanto atravessava o Atlântico, o navio já sofria a influência de Exu. “Existe uma interconexão de Exu com a África. Daqui até lá tudo é Exu, pai”, aposta Luciana.