Casos aconteceram em menos de 3 horas
Uma travesti foi agredida no Largo da Sete Portas e outra assassinada no bairro de Piatã, em Salvador. Ambos os casos aconteceram nesta quinta-feira (11).
A primeira vítima, que não teve a identidade revelada, foi espancada na Rua Djalma Dutra, às 8h. A travesti foi socorrida por uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que se locomoveu para o local do acontecimento junto a policiais. De acordo com o relato, a violência foi um ataque transfóbico, cometido por um grupo de desconhecidos.
Já a vítima fatal, identificada como Kethley Santos, foi atacada na Avenida Octávio Mangabeira, por volta das 5h. Segundo informações, a vítima tentou pedir ajuda, mas morreu próximo à uma farmácia local. Associações ligadas à transexualidade emitiram uma carta coletiva em respeito à memória da vítima, que era natural de Ipirá, a cerca de 200 km de Salvador.
Leia o texto na íntegra:
“CARTA COLETIVA EM RESPEITO À MEMÓRIA DE KETHLEY SANTOS
11/06/2020, a Transfobia aniquilou mais uma vida trans. Mais uma mulher trans,
negra, foi assassinada no Brasil. Kethley Santos era natural de Ipirá e morava em Salvador, onde foi assassinada a tiros na madrugada desta quinta-feira.
O mapeamento realizado pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), registrou, somente em 2019, 124 casos notificados de assassinatos de pessoas trans e travestis. Desse total, 82% eram pessoas negras.
Só nos 2 primeiros meses de 2020, já foram 38 notificações. Um aumento de 90% do número de casos, em relação ao mesmo período do ano passado. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Aqui a expectativa de vida de pessoas trans e travestis é de 35 anos. Kethley tinha 20 anos.
Assim como em diversos outros interiores, é muito complexo discutir questões de gêneros e sexualidades e o respeito às identidades de pessoas trans e travestis em Ipirá. Uma cidade no Sertão Baiano que ainda é fortemente ordenada pelo crivo moral religioso-cristão e submetida à uma dinâmica política oligárquica. O desconforto e o medo de andar pelas ruas, acompanha as existências das pessoas trans, em qualquer cidade, seja no interior ou nas capitais. Porque nenhum lugar é seguro para pessoas trans e travestis.
Ao noticiar o falecimento, alguns parentes, professoras, professores e conhecidos seus de Ipirá estão desrespeitando seu nome e sua existência enquanto mulher, enquanto pessoa trans.
A violência contra pessoas transgêneros e travestis é estrutural e aje também a partir das instituições. A Escola é um dos espaços que devem acolher e colaborar na construção de uma Sociedade Democrática e inclusiva, no entanto, para pessoas LGBTQI+ e sobretudo para pessoas trans, este ainda é um espaço opressor e violento, uma vez que negligencia discussões pedagógicas que atuem no sentido do combate e superação da transfobia; viola o direito ao uso do nome social, além de outras violências simbólicas cotidianas que negam a existência e o direito à Educação das pessoas trans e travestis.
Direito à Cidade, à Afetividade, a ocupar e desfrutar de espaços públicos em Segurança, à Educação, Trabalho, Moradia, ao reconhecimento e respeito, em vida e após a morte, são partes de uma luta extensa e desgastante que enfrentamos todos os dias.
Além de toda barbárie transfóbica que retirou a vida de Kethley, ela sequer está tendo seu nome e gênero respeitados. Sua existência segue sendo invisibilizada. A Transfobia tem diversas faces. Atua desumanizando, desrespeitando agenciamentos, invisibilizando, despotencializando e aniquilando corpos trans e travestis de diversos modos. Além da morte física, este também é um grito de revolta contra mortes simbólicas. Sobre apagamento e desrespeito à memória, à autodeterminação, à existência.
Parem de nos matar!
Pessoas cis (pessoas que não são trans), precisamos urgentemente de vocês nessa luta! Ela também é responsabilidade de vocês. Movimentem-se. Combatam a Transfobia! Revejam seus lugares de privilégios, suas construções identitárias e familiares. Movimentem suas redes socioafetivas, combatam as violências transfóbicas cotidianas, os desrespeitos naturalizados. Responsabilizem-se pela luta antitransfobia e antirracista! Vocês nos devem isso.
Estamos cansades, mas não vamos parar. Não temos essa opção. Por toda vida e memória trans e travesti. Por todas as que vieram antes, pelas que aqui estão e para que muitas outras possam vir. Nossas vidas importam!
KETHLEY SANTOS, presente!
#VidasNegrasTransImportam
#CorposTransVivos
#VisíveisOAnoInteiro”