Entrevistas

Comandante da Operação Ronda Maria da Penha comenta sobre trabalho em meio à pandemia e desconstrução do machismo dentro da corporação da PM

01 de Julho de 2020 às 11h28 - Por: Redação PNotícias Foto: Reprodução // Instagram
[Comandante da Operação Ronda Maria da Penha comenta sobre trabalho em meio à pandemia e desconstrução do machismo dentro da corporação da PM]

Comandante também fala sobre os canais de denúncias disponíveis

A major Flávia Barreto, foi a entrevistada desta quarta-feira (1°), no programa PNotícias, da Piatã FM, pelo apresentador Dinho Júnior. A major, dentre outros assuntos, falou sobre como esse trabalho vem sendo feito em meio à pandemia e sobre a preparação da corporação, principalmente PMs homens, para atender as vítimas. 

Flávia admite que a corporação ainda não está 100% preparada, devido ao machismo estabelecido na sociedade, mas garante que o processo de desconstrução vem sendo trabalhado e os resultados estão chegando cada vez mais rápido. A major não poupou elogios à gestão do comandante geral da Polícia Militar, o coronel Anselmo Brandão, que ela afirmou que tem sido muito sensível à essas questões, ajudando a conscientizar os policiais.

Leia, na íntegra, a entrevista:

Dinho: Como está sendo esse trabalho durante a pandemia? Eu queria que você falasse um pouco sobre esses dados de feminicídio e agressão doméstica. Aumentou, Major? 

MAJ: Veja bem, Dinho. A Ronda Maria da Penha integra a rede de enfrentamento a violência contra a mulher, então dentro dessa rede nós temos diversos órgãos, dentre eles eu posso citar o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça, a Secretaria de Proteção as Mulheres, a Secretaria de Segurança Pública... e nós atuamos fiscalizando as medidas protetivas de urgência que são encaminhadas pelo poder judiciário, geralmente, os casos mais complexos, para que possamos fazer essa fiscalização e evitar que esse agressor tente ferir essa medida e se aproximar novamente dessa mulher. O que nós temos hoje, em relação a dados de aumento de violência doméstica, são justamente essas estatísticas: o aumento do feminicídio, essa semana nós vislumbramos uma estatística que foi revelada através da Secretaria de Segurança Pública e essa estatística fala de um aumento em relação ao ano passado. Um aumento considerável, inclusive. E nós, dentro da rede, estamos sempre conversando e entendemos que essa violência aumentou sim, porém o que nós temos em relação a dados de denúncia é uma diminuição. Entendemos que é justamente por conta desse contato constante dessa mulher com esse agressor, que faz com que ela esteja impedida de realizar a denúncia. 

Dinho: É um absurdo! A gente tem aqui os números de 150% numa crescente nos casos de agressões a mulher, é realmente assustador. Eu gosto de deixar muito claro aqui que esse não é um assunto só para as mulheres não, é um assunto para os homens. Se a gente silencia, se a gente se cala, a gente acaba corroborando com esse tipo de atitude e não é isso que a gente precisa. Precisamos de força e união para conseguir acabar com todos esses casos e todos esses absurdos que acontecem até hoje. Eu aproveito, não só para parabenizar o trabalho feito pela Ronda Maria da Penha, mas até mesmo para perguntar como é que está sendo feito esse funcionamento durante o período de pandemia. Como vocês estão fazendo para conseguir dar essa assistência? 

MAJ: Eu só vou pegar um gancho do que você falou, Dinho. Não é só um problema da mulher, é um problema dos homens também e um problema das famílias. Porque a partir do momento que aquela mulher é agredida ou até que é morta, toda família vai ser abalada. Então, uma coisa que nós estamos pedindo, nós tivemos que fazer uma adaptação, não estamos conseguindo fazer palestras, mas estamos fazendo lives, e eu peço muito nessas lives que as pessoas da família, principalmente, se envolvam. Porque, a partir do momento que aquela mulher morre, é uma filha que deixou de estar ali naquele convívio; é uma mãe, é uma tia, é uma sobrinha, uma neta... Então, a família tem que entender que ela precisa sim se envolver nesse problema, que é um problema dela sim, e não só daquela mulher porque ela se tornou autônoma, ela se casou e saiu de casa. 

A Ronda Maria da Penha tem trabalhado normalmente, não mudamos nosso horário de atendimento, o que nós fizemos foi uma adaptação. A partir do início dessa pandemia nós nos sentamos com nossa tropa para, primeiro, cuidar deles e delas, pois cuidar de quem cuida é essencial, então com o ajuda de nosso comando de policiamento especializado, do comando geral da Polícia Militar, que está sempre se movendo para se adaptar a isso tudo, trouxemos todo o aparato necessário de higienização e proteção individual para os nossos policiais e, a partir daí, criamos, em conjunto com nossa tropa, um novo protocolo de ações. Juntos, nós entendemos que essas mulheres não poderiam ficar desamparadas. O que nós fizemos foi adaptar nossa rotina. Então, nós estamos indo na residência dessa mulher, paramos na porta da residência dela e a única coisa que não estamos fazendo é o contato físico. Chegando lá, nós entramos em contato com ela via telefone, algumas têm a oportunidade de sair à janela ou na varanda, enfim, conseguem visualizar a viatura e se sentem muito protegidas. Elas têm elogiado muito essas ações, porque acharam realmente que ficariam desamparadas. Em relação ao trabalho da rede de proteção, uma das coisas que foi um grande ganho pra gente, foi a questão da validade da medida protetiva. A medida protetiva, como o próprio nome diz, é a medida de urgência, então ela tem uma validade, um prazo de validade, só que, durante a pandemia, como as Varas de família estão funcionando, as Varas de mulher estão funcionando, o que ficou decidido, via teletrabalho, foi que essas medidas protetivas não teriam prazo de validade enquanto a pandemia perdurar. Então, aquela mulher que tem a medida protetiva de urgência e esteja com o pensamento de que ela vai vencer, de que ela precisa retornar a algum lugar... essa medida não vai ter prazo de validade até que termine a pandemia para que ela seja reavaliada. 

Dinho: Eu queria saber o seguinte, caso a mulher esteja coagida, com medo, naquela situação que nós já sabemos bem e totalmente vulneráveis, a ponto de não conseguir fazer as denúncias, como é que esses vizinhos, amigos ou parentes, que tiverem essa percepção, podem ajudar essa mulher violentada?

MAJ: Nós estamos conversando muito com as pessoas e pedindo que essa mulher que esteja sendo agredida (essa agressão não precisa, necessariamente, ser física, são cinco tipos de violência que estão tipificadas na Lei Maria da Penha, violência psicológica, moral, sexual, patrimonial e a física) denuncie através do 180. Então, ligando 180 a pessoa não precisa se identificar e além da oportunidade da denúncia, ela pode também ter orientações. Porque não é simplesmente a denúncia, não é?! Muitas mulheres deixam de denunciar porque pensam: ‘Sim, eu vou denunciar e depois? Ele vai sair da minha casa? Como é que eu vou me sustentar? Sustentar meus filhos?’. Então, através do 180 ela vai ter conhecimento de todos os órgãos da rede que estão a disposição dela para que ela possa retomar a autonomia da sua vida. 

Dinho: Eu queria entender, por exemplo, se tem outros canais. Porque, às vezes, a mulher não tem condições de ligar por estar diariamente ali com o agressor. Existe outro canal, uma rede social, para realmente ter esses detalhes que podem encorajar a mulher a fazer essa denúncia?

MAJ: O que a gente ta pedindo hoje é que essa mulher tenha alguém de confiança e estabeleça com essa pessoa um código para que, no momento que ela mantenha contato e fale esse código, essa pessoa entenda que ela precisa da denúncia, ou através do 190, se ela estiver sofrendo a violência e a viatura mais próxima irá ao seu auxílio, ou através do 180, que é esse canal que vai dar todos os passos de como denunciar. Então hoje o que a gente pede é que estabeleça com essa pessoa próxima e que essa pessoa tenha o compromisso de fazer essa denúncia por ela. 

Nós recebemos algumas denúncias através das nossas redes sociais, mas não é algo que seja o canal oficial. Claro que todas as redes sociais, tanto da Secretaria de Segurança Pública, da Secretaria de Política Para as Mulheres, tanto quanto para todos os outros órgãos e a Ronda Maria da Penha hoje trabalha muito através do Facebook e do Instagram, nós orientemos essa mulher como prosseguir com essa denúncia, mas os canais oficiais hoje serial, realmente, o 190 e o 180. A denúncia pode ser feita por outra pessoa e a pessoa não vai precisar se identificar, é bom que fique claro. Temos também o Disque Defensoria, que é o 129, o telefone do Ministério Público que é o 0800 642 4577 e todos esses órgãos estão a disposição dessa mulher que precisa denunciar, porque a mulher que denuncia criam um movimento que encorajam inúmeras outras mulheres, né?! Então, a partir do momento que outras mulheres que passam por situação de violência, visualizam outra que teve a coragem de denunciar e que ela retomou a autonomia da sua vida, essa outra mulher vai se encorajar. E é assim, um trabalho de formiguinha mesmo que a gente vai fazendo, até que a gente tenha essa paz de saber que a mulher não está sofrendo por ser mulher.

Dinho: Quando a gente toca no assunto do machismo, por exemplo, a gente sabe que é uma podridão, não é?! Eu, como homem, posso falar com total propriedade. Nós somos, como eu costumo dizer para meus amigos, “soldados do machismo”, a gente cresce em uma cultura machista e somos treinados a reverberar ela como se fosse uma coisa muito normal e, durante o processo de desconstrução, a gente sofre também o preconceito de muitos homens que não entendem que não precisa mais dessa masculinidade tóxica, não precisa ser um homenzarrão, o cara que é grosso, arrogante e não pode chorar. Já passamos dessa parte. E aí, quando a gente fala de uma instituição como a Polícia Militar, que de certa forma precisa também de uma cultura mais rígida, os homens da PM, são homens realmente treinados a se impor na sociedade para garantir a ordem... Eu queria entender um pouco como está funcionando esse atendimento à mulher por outras corporações da polícia. Hoje, a senhora acha que toda corporação ta preparada para fazer um atendimento digno a uma mulher vítima de agressão, sem nenhuma forma machista e inadequada de tratá-la? Qual a sua opinião sobre isso? 

MAJ: Você tocou num assunto muito importante. O machismo não atinge apenas homens, também atinge as mulheres. É algo que conversamos muito, porque nós mulheres, principalmente aquelas que são mães ou responsáveis pela vida de alguma criança, precisamos entender que é a maneira de criarmos nossos filhos que vai fazer com que esse machismo acabe. Não depende só do homem, até porque, muitas vezes, o homem não se entende como agressor. Ele é criado de uma maneira tão machista e achando que ele é o centro das relações, que ele não se entende como agressor. Nós temos um programa, liderado pelo sargento Djair, lá da Ronda Maria da Penha, e esse programa já foi, inclusive, premiado internacionalmente, e em conversa com o sargento, ele me fala: ‘Major, eu já tive assim, de sentar com homens agressores e eles não entenderem que são agressores. E a partir do momento que nós conversamos, que a gente explica, tudo direitinho, eles passam a entender que aquilo era uma agressão’. E nós precisamos reformular isso. Não é simplesmente pegar esse homem e prendar, porque ele vai entrar numa outra relação e ele vai prejudicar outra mulher, outra família. Então, o princípio de tudo é a gente mudar a nossa mentalidade. Mudar a mentalidade já envolve nossa tropa, que faz esse atendimento. Porque a Ronda Maria da Penha, via de regra, não atende a ocorrência violência doméstica, quem vai atender a ocorrência de violência doméstica é a viatura, chamamos de “Viatura da Área”. Então a viatura que está fazendo todo aquele trabalho de rondas e abordagens, em uma determinada área, é quem vai atender a essa ocorrência. 

Nós já temos uma tropa 100% preparada? Não. Mas é um processo que está acontecendo de uma forma muito mais acelerada, por causa do comandante geral. E eu falo isso com muita alegria, já falei isso para ele, em outra oportunidade, eu tenho 22 anos na corporação e não imaginei, quando eu entrei na corporação em 1998, que eu fosse vislumbrar um comandante geral com tamanha sensibilidade como é o comandante geral atual, coronel Anselmo Brandão. Ele se preocupa muito com essa questão do atendimento à comunidade, tanto que o slogan dele é “PM e Comunidade na corrente do bem”. Porque, nem a PM sozinha constrói essa corrente e nem a comunidade sozinha. Nós precisamos estar unidos. Então, a partir do momento que ele vem com esse pensamento, trazendo essa conscientização, nós estamos conseguindo conscientizar nossa tropa de que o atendimento a essa mulher precisa ser muito sensível do que nós tínhamos antigamente. 

E outra coisa muito importante é que aquela mulher, às vezes, aciona a viatura, ou alguém aciona para ela, e ela diz que não quer fazer essa denúncia, prestar essa queixa. E isso mulher nenhuma gosta de sofrer. Às vezes a gente tem esse pensamento, enquanto sociedade, o policial faz parte dessa sociedade. Mas, não existe essa mulher que não queira denunciar, não existe mulher que goste de apanhar, que goste de viver a violência. Ela, às vezes, tem medo. Não é fácil. Você está ali fragilizada e na presença do agressor, não é fácil para ela e a gente sabe disso. Quando a gente fala para ele se encorajar e fazer a denúncia, a gente sabe que não é fácil. As vezes ela depende daquele homem, tem uma dependência até emocional mesmo; as vezes não é financeira, é emocional, sentimental, medo do julgamento das pessoas, porque as pessoas julgam e geralmente julgam a mulher, porque a culpa é sempre da mulher. Tem uma frase que eu não gosto, porque, para mim, ela precisa ser mais destrinchada, vou colocar assim. Ela diz assim: “A mulher sabe onde fica o lar”. Eu acho que “o casal sabe onde fica o lar”. Está tudo sempre na conta da mulher e essa mulher é muito cobrada e é muito difícil pra ela prosseguir com a denúncia. Então essa sensibilização com a nossa tropa têm sido feita diariamente. Inclusive nessa semana o comandante geral me convocou para uma reunião com todos os comandantes gerais do Brasil, polícia e bombeiro, e eu vi muito isso dele querer se inteirar para que essa mudança seja feita. Mas hoje eu posso te dizer que nossos policiais já têm uma sensibilidade muito maior e essa tropa já é orientada a fazer esse atendimento e ter o poder de convencimento para que essa mulher denuncie e saiba que não vai ficar desamparada.

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