Padre Alfredo, defensor dos direitos humanos, chama atenção para exposição e invasão de privacidade
Crianças e adolescentes nem sempre tem a sua imagem devidamente preservada, como deveria ocorrer. Ainda no seio materno, as primeiras imagens do feto já são expostas, para dezenas de convidados, no “chá de bebê ultrassom”, sem qualquer possibilidade de autorização por quem tem a sua imagem ali exposta.
Com muita freqüência assistimos pais e mães de todo o Brasil registrarem e postarem, nas redes sociais, momentos particulares e íntimos da infância de suas crianças. Fotos, vídeos, cartas, tudo é divulgado, pelas portas escancaradas da internet, para todo o mundo. Não há como não reconhecer a invasão de privacidade das crianças promovida por quem tem o dever legal de protegê-las integralmente.
Não raro é a própria criança ou adolescente quem posta tudo sobre si nas redes e perfis pessoais. O exposto a partir da intimidade do lar, do quarto, do banheiro fica à disposição para ser visto e manipulado por milhões de pessoas em todo o mundo, nem sempre movidas com as melhores intenções.
Aparentemente inofensivos, os cenários acima expressam simples atos do cotidiano mas expõem crianças e adolescentes a perigos que podem desaguar em graves danos para as mesmas.
Recolhidas em casa durante a pandemia do Covid-19, as crianças e adolescentes passam muito mais tempo acessando as redes sociais e a internet. Aulas, bate-papo com amigos e parentes, treinos diversos – muita coisa passou a ser necessariamente online. Estar conectado ajuda crianças e adolescentes a reduzir o impacto da pandemia, mas implica também num novo conjunto de desafios para todos os pais, mães, responsáveis e educadores. O grande desafio é maximizar tudo o que a internet tem a nos oferecer, minimizando os possíveis danos que ela traz consigo e possa acarretar. A tarefa é hercúlea para todos e todas e as crianças e adolescentes precisam de proteção integral e especial nesta tão delicada tarefa, sobretudo em meio à gravíssima crise social e sanitária na qual vivemos.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, que entrevistou mais de 20 mil pessoas em 28 países, revelou que o Brasil é o segundo país no ranking de cyberbullying no mundo.
No nosso país 30% dos genitores ou responsáveis entrevistados afirmaram ter conhecimento de que seus filhos e filhas se envolveram ao menos uma vez em casos de cyberbullying, que consiste na prática de um crime contra a honra, em meio virtual e configura-se crime passível de punição (Artigo 138 do Código Penal Brasileiro). Quando o cyberbullying é praticado por menor de idade, os seus responsáveis respondem pelos crimes diante do tribunal e podem ser condenados a pagar indenizações à vítima e à sua família.
Crianças e adolescentes podem ficar muito vulneráveis nas redes sociais. Precisam de orientação e acompanhamento, antes mesmo do primeiro acesso à internet. Não raro é aí que acontecem as odiosas práticas de bullying e tentativas de aliciamento.
A proteção integral às crianças e adolescentes está consagrada nos direitos fundamentais inscritos no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e nos artigos 3 e 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990).
Cabe aos pais e responsáveis assistir este público nos primeiros acessos às redes sociais, alertando-os para os riscos. A comunicação com as crianças e adolescentes precisa ser muito objetiva e verdadeira. Avaliar e aprovar jogos e aplicativos são também tarefa obrigatória de quem educa crianças e adolescentes. A classificação para acesso a aplicativos e sites deve ser cuidadosamente observada. A mesma mão que ajuda e orienta a criança ao atravessar uma rua, deve protegê-la na arriscada travessia dos mares do mundo virtual. O diálogo será sempre o melhor caminho nesta tarefa de proteção.
* Padre Alfredo Dórea é arcebispo da Igreja Anglicana Tradicional do Brasil. Graduado em filosofia e teologia. Mestre pela Universidade Gregoriana de Roma. Atua no diálogo interreligioso, combate às violências, discriminações e preconceitos, defesa dos direitos humanos e das pessoas mais vulneráveis e empobrecidas, sobretudo as que vivem com o HIV AIDS.